VISTOS, JOSÉ PIVATTO, já qualificado nos autos, propôs a presente ação de OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, com pedido de tutela antecipada, em face de ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL AQUARIUS e GOOGLE BRASIL, alegando, em síntese, que tomou conhecimento da existência de um “blog” pela ONG Aquarius com o intuito de conseguir seu “impeachment” apontando condutas incorretas da Administração Pública de Cosmópolis. Faz menção a crimes ambientais como o corte de 35 (trinta e cinco) árvores em frente à Câmara Municipal, a degradação da “Gruta do Carrapicho”, além de multas de trânsito, descumprimento de lei, ocorrência de nepotismo, atividades paralelas pelos comissionados, dentre outras acusações. Afirma que as manifestações de pensamentos trata-se de ofensas graves, difamatórias e caluniosas, que violam sua a dignidade, intimidade, privacidade, honra e imagem. Alega que a segunda suplicada, GOOGLE, tem pleno conhecimento do conteúdo das matérias, uma vez que aceita sua formalização e retransmite os seus termos de forma ampla a qualquer pessoa que acessar a rede de computadores. Afirma que a suplicada, ao disponibilizar o espaço para a divulgação de conteúdos, assume os riscos sobre as expressões ofensivas veiculadas. Requereu a procedência da ação e condenação das requeridas a indenização por danos morais, em 500 (quinhentos) salários mínimos para cada suplicada, bem como no pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios no importe de 20% sobre o valor da condenação (fls. 02/35). A inicial veio instruída com os documentos de fls. 36/219. Foi indeferido o pedido de tutela antecipada (fls. 225). Após ser devidamente citada, a requerida ONG Aquarius ofereceu contestação alegando que a ONG emite sua opinião, elabora críticas, informa e convida a população ao debate público sobre assuntos de interesse coletivo. Afirma que o requerente não traz aos autos qualquer prova de dano à sua honra e que as publicações se pautam pelo que prevê a Constituição Federal, ou seja, liberdade de pensamento, de informação, de opinião e crítica, além de versarem sobre assuntos públicos. Além disso, aduz que os políticos estão sujeitos às críticas públicas, à inspeção e controle pelos interessados. Requereu a improcedência da ação e os benefícios da justiça gratuita (fls. 249/270). A segunda requerida, Google Brasil Internet Ltda., após ter sido devidamente citada, apresentou contestação, alegando, em preliminar, ilegitimidade passiva. No mérito, afirma ser impossível a fiscalização e controle desse tipo de conteúdo, vez que é inserido em tempo real e se proliferam rapidamente, sendo impossível o controle e bloqueio de inserção do conteúdo. Alega que a própria natureza do serviço de hospedagem impossibilita tal controle, pois o provedor constitui apenas um suporte, não possuindo qualquer ingerência sobre o conteúdo. Assevera, ainda, que inexiste ferramenta que possa fazer um controle prévio do conteúdo inserido nos “Blogs”. Além disso, a atividade do “Blogspot” é de provedor de serviço de hospedagem na internet e não é responsável pelos atos difamatórios praticados pelos usuários. Requereu o acolhimento da preliminar arguida e consequente extinção do processo sem julgamento de mérito. Subsidiariamente, não sendo acolhida a preliminar, requereu a improcedência da ação e se houver eventual condenação por danos morais, que seja fixada em montante inferior ao pretendido (fls. 278/306). Juntou documentos as fls. 307/415. Em audiência de instrução e julgamento foram colhidos os depoimentos pessoais do autor e do representante legal da ONG Aquarius, e foram ouvidas quatro testemunhas arroladas pelo requerente. Pelo patrono do autor foi requerida juntada de substabelecimento, pela ré ONG Aquarius juntada cópias de jornal e pela ré Google juntada carta de preposição e substabelecimento. Encerrada a instrução, foi concedido prazo para apresentação de memoriais (fls. 420/426). É o relatório. D E C I D O. Trata-se de obrigação de fazer e não fazer cumulada com pedido de indenização em razão de danos morais sofridos pelo requerente em razão de matérias veiculadas no blog criado pela Ong Aquarius, tendo como endereço eletrônico, “http://www.ongaquarius.blogspot.com“, integrando a conta do google. Inicialmente, acolho a preliminar arguida pela requerida Google, entendo que, de fato, a requerida, é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação. Isso porque, como já é sabido, o GOOGLE é um site de buscas que apenas disponibiliza aos usuários o acesso à imensa gama de endereços eletrônicos disponíveis na rede mediante a inserção do nome de palavras chaves em seu aplicativo. Especificamente com relação ao serviço intitulado BLOGGER (mantido pela requerida Google), trata-se de site de manifestações proferidas por terceiros, em diversos segmentos. A evidência, o conteúdo de tais manifestações, não pode ser atribuído à requerida que, por tal motivo, não há de ser responsabilizada pelas manifestações dirigidas em face do requerente. Vale dizer, que as supostas ofensas advindas das manifestações que ensejaram o ajuizamento da presente demanda não são de responsabilidade da requerida, que apenas permite o acesso a esses endereços mediante a ferramenta de busca que disponibiliza aos usuários. Portanto, nada impede que o usuário acesse diretamente o “site” hospedeiro, sem utilizar os serviços de busca do Google. Adotando esse mesmo entendimento, em caso semelhante, confira-se o julgado extraído do Agravo de Instrumento n. 537.825-4/0-00, da lavra do eminente Desembargador José Luiz Gavião de Almeida, cuja ementa se transcreve: Internet Domínio de site. Não é possível encarregar a agravante da fiscalização sobre eventuais ofensas a bem da agravada. A esta cabe a defesa de seus interesses. Desde que veja o site que entenda ofender seu domínio, deve comunicar para obter o bloqueio Recurso provido com observação. Assim, reconheço a ilegitimidade passiva da requerente Google. No mérito, a Constituição Federal garante a liberdade de manifestação do pensamento, vedado o anonimato (artigo 5º, inciso IV), e coloca a salvo de qualquer restrição, sob qualquer forma, também o direito à informação (Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição). Ao mesmo tempo, assegura ao ofendido “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (artigo 5º, inciso V), e torna “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (artigo 5º, inciso X). Importa ressaltar que a matéria é complexa, na medida em que se coloca, de um lado, o direito de informação, corolário do próprio direito de livre manifestação do pensamento (art. 5º, incs. IV, IX, XIV e art. 220 da CF/88); de outro, temos os direitos de personalidade, como a dignidade, a imagem e a honra subjetiva do autor (art. 5º, V e X, CF/88). Nesta balança, ambas as regras possuem nível constitucional, de modo que só se pode aplicar um desses princípios, sem perder o outro de vista. À luz de tais considerações, é de se inferir que, no caso em tela, a lide se resume a saber se havia, nas matérias tidas por ofensivas, deliberada intenção de injuriar por parte da requerida, ou estava apenas exercendo seu direito à livre manifestação do pensamento, como corolário da liberdade de imprensa, princípio caríssimo ao Estado Democrático de Direito. O requerente afirma que as matérias publicadas em referido blog foram destinadas a prejudicar politicamente sua imagem pública e que trazem graves acusações contra sua conduta moral. Além disso, alega, de modo geral, que as publicações feitas trazem acusações que ultrapassam o limite da expressão livre de opinião e lhe imputam atos ilícitos, bem como, que se utiliza de propaganda para divulgação de informações inverídicas, buscando convencer o leitor de que o requerente é mentiroso e vil. Todavia, o que se vislumbra nas matérias publicadas no blog da Ong Aquarius são fatos ocorridos nesta cidade de Cosmópolis, sendo eles: o corte de 35 árvores em frente a Câmara Municipal; o lixão de Cosmópolis; a degradação da Gruta do Carrapicho; multas de trânsito; abandono do prédio do grêmio; a não devolução do dinheiro da inscrição em concurso público anulado; o reembolso escolar aos estudantes que estudam fora da cidade; a falta de moradias; o abandono ao patrimônio público; desativação da estação de tratamento de água, entre outros, que fazem considerações acerca de fatos ocorridos na administração municipal. O que se verifica da leitura das referidas matérias é que, a despeito do viés crítico e áspero, narram fatos efetivamente ocorridos no dia a dia da administração municipal, atos que são públicos e devem ser de conhecimento de todo e qualquer cidadão. Conforme se verifica, não há dúvida de que a requerida adota linha menos conservadora e posiciona-se politicamente em oposição ao requerente mas nem por isso vislumbra-se a ocorrência de ilicitude, ao menos para fins de responsabilidade civil. Isso porque as matérias mencionadas na inicial baseiam-se em fatos objetivos, declarados e relevantes, que são de interesse público, não existindo ausência de pertinência entre os fatos e a narrativa. Ademais, não se pode olvidar que o requerente é homem público que administrava uma cidade de porte pequeno, com vários interesses sociais, políticos e econômicos em jogo, de modo que diariamente contraria interesses dos mais variados, sujeitando-se, por isso, a receber severas críticas. Quem decide dedicar-se à carreira política passa a ser, como se diz, um “homem público”, abrindo mão em grande parte da intimidade que desfrutava antes de se tornar líder político e de ser conhecido pela maioria dos munícipes. A atenta leitura das notas tidas por ofensivas não deixam dúvidas sobre a intenção de informar, criticar e até satirizar os serviços prestados pelo requerente à Municipalidade, não vejo crítica pessoal, fundada na vida privada do autor. Aliás, até a Presidente da República é constantemente alvo de brincadeiras, assim como os Ministros do Supremo Tribunal Federal (esses últimos, dado à notoriedade do julgamento da ação penal nº 470, apelidada de “mensalão”), nos programas de humor mais assistidos da televisão brasileira. Nem por isso se tem notícia de que tivessem tentado calar a imprensa ou exigir indenização por tais fatos. Além disso, na medida em que aceita patrocinar a Municipalidade, e ser pago com dinheiro público, o requerente se coloca como alvo de todos os cidadãos de Cosmópolis, que tem o direito, senão o dever, de fiscalizar o modo como se emprega dinheiro público na cidade, e não há fiscalização sem informação. Sendo assim, as matérias aqui examinadas trataram nos limites do direito à crítica, de expor fatos da administração municipal, não se evidenciando nenhum tipo de excesso, valendo acrescentar que os assuntos abordados são de nítido interesse público, tudo a afastar a apontada leviandade atribuída à requerida. Não houve, pois, por parte da requerida veiculação de notícia falsa ou propósito de ofensa à imagem do requerente, razão pela qual se mostra incabível a pretensão indenizatória. Em outras palavras, não houve prática de ato ilícito ou uso abusivo da liberdade de expressão e de informação, razão pela qual a Ong não pode ser responsabilizada por eventuais danos causados à imagem do requerente, que, na qualidade de homem público, deve se habituar também com os posicionamentos a ele desfavoráveis e com as críticas, circunstâncias típicas do sistema democrático. Por conseguinte, “não restou demonstrado nos autos a prática de qualquer ato ilícito por parte da requerida, não havendo qualquer dano moral a ser indenizado. Abstraio das notas um conteúdo crítico, satírico e irônico, mas sempre movido pelo dever de informar, nada além disso. Adotando esse entendimento: "INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Publicação de charge humorística revelando fato real e de conhecimento público anterior - Inexistência de repercussão ou de intenção de ofender - Aborrecimentos, incômodos, desconforto ou enfado decorrentes de alguma circunstância, que o homem médio tem de suportar em razão do convívio em sociedade não configura dano moral indenizável - Recurso improvido." (Apelação nº 9145072- 21.2007.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Antonio Costa, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 04/09/2007). "IMPRENSA - Artigo publicado no periódico "Folha de São Paulo" - Menção a fatos concretos envolvendo nome de político - Utilização de narrativa revestida de forma humorística - Publicação que se limitou a traçar críticas objetivas aos fatos, sem extrapolar o direito de liberdade de manifestação de idéias e opiniões - Ausência de ofensa a direitos da personalidade - Dano moral não caracterizado - Recurso não provido." (Apelação nº 9196765- 20.2002.8.26.0000, Rel. Des. Luís Eduardo Scarabelli, 3ª Câmara de Direito Privado A, j. 20/03/2006). Diante do exposto, e por tudo o mais que consta dos autos, JULGO EXTINTO, sem julgamento do mérito, a presente ação de obrigação de fazer e não fazer c.c. indenização por danos morais, movida por JOSÉ PIVATTO em relação a GOOGLE BRASIL, com fundamento no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil e julgo IMPROCEDENTE em face de ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL AQUARIUS, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Sucumbente, deverá o requerente arcar com o pagamento das custas e despesas processuais, bem como, com os honorários advocatícios, que arbitro em 15% sobre o valor dado à causa. P.R.I.C. Cosmópolis, 08 de fevereiro de 2013. MARIA THEREZA NOGUEIRA PINTO Juíza de Direito